
Acabo de ouvir uma frase que me fez pensar muito sobre esse tema. Uma amiga minha, que já está em Portugal há algum tempo, estava me contando o quão criterioso foi o processo para que ela e seu marido obtivessem o financiamento do imóvel que compraram. E então ela disse: “Pense que você chegará aqui como um livro em branco, com as páginas zeradas. Você não terá histórico – é assim que eles enxergam”.
E, de fato, ela soube expressar perfeitamente o que venho experimentando no último mês. Em meio a essa fase final de preparativos, já com questões a resolver diretamente lá – como moradia, por exemplo – percebi pela primeira vez que eu serei uma es-tran-gei-ra. Não haverá lá o meu histórico de profissional ética e boa pagadora.
Isso ficou claro, por exemplo, quando me deparei com anúncios de imóveis que exigiam um fiador “português”. Comprovação de renda “em Portugal”. Histórico “português”.
Não vou mentir: a sensação experimentada é horrível. Como se o seu dinheiro fosse menos digno que o de um cidadão local, como se a sua moral não fosse suficientemente europeia para eles.
Mas, o que parece claro para mim quando me acalmo, é que isso não corresponde à verdade. É só um daqueles sentimentos abruptos, que advêm do questionamento. Acabamos achando que é algo pessoal e direcionado, quando não é.
É xenofobia ou é normal?
Se deixarmos o medo da reprovação e da xenofobia de lado, veremos que o que eles exigem é perfeitamente normal e…adequado.
Ora, se sou um cidadão europeu a alugar um imóvel ou fazer um negócio com você, quero ter certeza de que estarei protegido caso você não honre seu compromisso. E, obviamente, posso não aceitar correr o risco de ter de fazer uma cobrança em outro país. De ter de penhorar um imóvel no… Brasil.
Posso querer ter acesso ao máximo possível de informações sobre sua vida civil no Brasil. Posso dar preferência a pessoas e negócios locais, porque, numa eventual “dor de barriga”, saberei onde achar esses contratantes – e não precisarei atravessar o mundo para tanto.
Ou seja, objetivamente, é claro que todas as preferências serão pelo cidadão local. E não é questão de não gostarem de você, e sim de proteção.
E então passei a pensar nisso sob vários aspectos. Lembrei inclusive que muitos estudantes estrangeiros passaram pela escola do meu filho, e que não firmei amizade com as mães dessas crianças. Por que elas não eram bacanas? Não! Elas pareciam ser ótimas! Mas eu sabia que estariam por aqui por um curto período, e que não adiantaria formar vínculos, pois estariam somente “em trânsito”.
Que sentimento era esse? De preservação… Auto-preservação.
Então, fazendo o jogo inverso, acho que isso pode acontecer literalmente aos montes. Porque não é algo que se planeje “Hummm, não vou ser sua amiga porque você pode partir meu coração!”… É algo involuntário, quase instintivo.
Daí porque entendo que o primeiro passo para sobreviver emocionalmente a uma mudança de país como essa seja fazer as pazes com a solidão.
A solidão, seja ela a falta de companhia para um programa turístico, para um passeio ou um jantar, mas também a solidão pela falta de uma rede de apoio, físico e emocional, pode se tornar amiga ou inimiga. Acho que é mais inteligente tê-la como amiga, entendendo que, talvez num primeiro momento, seja você por você.
Diferenças de costumes e comportamentos

Talvez, então, seja o momento de se redescobrir e aprender (ou reaprender) a viver por si e consigo. Aprender (ou reaprender) a fazer programas individuais, a tomar um café sozinho, só para descobrir o charme daquela cafeteria, só para sentir a energia daquele lugar.
Contrariamente, o segundo passo talvez seja cultivar as amizades à distância, conectando-se, como ser humano, com aqueles que fazem parte da sua história, que conhecem seu tracejado, que se acostumaram às suas piadas.
O mundo globalizado nos dá essa permissão – de termos amigos de mensagens, amigos de imagens, amigos de ligações telefônicas. Amizades tão fortes, que permanecem diante do tempo e da distância.
Por fim, me parece que o novo sempre assusta: é como voltarmos à pré-escola com medo da rejeição. Mas, no fim, fato é que seu livro em branco estará sendo escrito com um novo e mágico capítulo, que pode trazer incríveis histórias para contar.
